São 14h e o pátio do Centro de Referência ao Idoso de Guarulhos está todo enfeitado. As cadeiras foram afastadas para dar lugar à pista, o DJ, que é também cantor sertanejo, está pronto, e é dado o início do famoso baile que reúne todas às quartas-feiras em média 50 pessoas, entre homens e mulheres na faixa etária de 60 a 80 anos. O local, além de ser um ponto de encontro conhecido na região, também é um lugar que promove diferentes ações para a terceira idade, como: dança de salão, ginástica, pintura, fotografia.
Tudo parece igual às outras semanas, a não ser uma mesa grande num canto da pista que reunia papéis, pincéis, velas, tinta nanquim e um varal. No palco, dois homens engraçados, que vestiam perucas, pegaram no microfone e interromperam a música. “Isso ai deve ser algum tipo de brincadeira do pessoal daqui”, cochichou dona Alzira de Oliveira, de 66 anos para uma amiga.
“Nós somos do Educativo da Bienal e viemos aqui para fazer uma pequena interferência artística no baile de vocês. Estamos usando essas perucas e vamos colocá-las em alguém que está dançando. Essa pessoa deve se encaminhar até a nossa mesa e lá ela é convidada a desenhar uma memória com vela e escolher outra pessoa para entregar o bilhete e a peruca. Ao chegar à mesa, o bilhete é revelado com tinta nanquim, pendurado no varal, e outro desenho é feito, entregue, e assim por diante. Vocês topam?”, perguntaram Felipe Tenório, produtor e educador do Projeto Bienal com as Comunidades, e Pablo Tallavera, coordenador desse projeto.
O Bienal com as Comunidades é um projeto do Educativo Bienal que além de realizar ações planejadas com os parceiros do projeto, nesse segundo semestre também está promovendo uma série de encontros com outros grupos que já realizam diferentes tipos de trabalhos. O Centro de Referência ao Idoso de Guarulhos é um desses espaços.
“Para esses novos parceiros a ideia não é propor novas ações e sim trabalhar com o que eles já têm programado. É o dia do baile, vamos fazer uma ação dentro do baile, o dia do bingo nós vamos atuar no bingo, oficina de pintura algo relacionado à pintura, e assim por diante”, explicou Tallavera.
De acordo com Tenório, o importante é respeitar o repertório do outro, que é tão importante como nosso, “estamos na casa deles, precisamos ver e respeitar o que eles já estão produzindo. Nossa ideia é olhar o que já acontece aqui e propor pequenas interferências no cotidiano, com o objetivo de gerar uma reflexão sobre as ações diárias rotineiras. Como exemplo, olhar para o baile e enxergar essa ação de outra forma”.
A proposta dessa intervenção era a partir da dança e da troca dos parceiros, promover um desenho de uma memória com vela, que é revelada pelo outro. “A ideia não é contar e sim apresentar essa memória a partir de um desenho, algo que ainda não está fechado, e que o outro possa interpretar”, disse o coordenador do projeto.
“A arte faz parte da vida de todos nós. A energia deles é contagiante! Comecei meio sem querer fazendo um show, e agora faço todos os bailes da terceira idade da região!” explicou o DJ e cantor sertanejo Félix Cowboy.
Dona Alzira de Oliveira, a mesma que arriscou um palpite do que seria a intervenção, foi uma das primeiras a participar da ação e fez um desenho sobre um show que aconteceu no domingo anterior ao baile no asilo onde mora sua irmã.
“Desenhei o show que fui esses dias, porque foi muito bom e animado. Libertei-me no salão! É uma memória recente, mas como estava com a minha irmã foi uma super festa”, contou entusiasmada.
Na mesa de revelação, dona Edite Borges que é frequentadora do baile há 20 anos descobriu que ganhou um abraço. “A Laura que me mandou o abraço é minha amiga, nos conhecemos há tanto tempo, eu amo muito ela! Está sempre comigo e na minha memória!”, declarou.
O relógio já marcava quase 16h e todos continuavam muito animados. Alguns chamavam a atenção com passos coreografados e bem sintonizados, como o caso do sr. Luís Francisco de 68 anos, frequentador das aulas de dança salão do Centro de Referência ao Idoso de Guarulhos, que recebeu a peruca e foi interrompido por um amigo no meio de uma dança. “Vou mandar uma memória para um colega que faz dança comigo. A dança é ótima, é um momento de relaxar e esquecer os problemas” ressaltou.
O varal de memórias já estava lotado quando o som parou e o DJ Félix Cowboy surpreendeu todos com uma música de parabéns remixada. A aniversariante do dia era a pernambucana Dona Giva da Silva, que completava 62 anos na ocasião. Animada, dona Giva, conhecida também como “deusa das estrelas”, seu nome indígena dado pela aldeia Cana Brava, onde nasceu, subiu ao palco e dançou funk “até o chão”.
“Adoro! Isso aqui é minha família. Não tem melhor presente que esse povo que está aqui. Eles me ajudaram a perder mais de 30 kg com muito bom humor”, revelou, e mostrou orgulhosa uma foto de dois anos atrás quando pesava 103kg, contra os 68kg atuais.
“Nesse segundo momento do projeto Bienal com as Comunidades saímos do formato mais tradicional de encontro com debate teórico e parte prática, que chamamos de ação poética, e vamos direto para esse ‘happening’. Isso é incrível porque é durante a ação que acontece a discussão”, completou Tenório, produtor e educador do projeto.
O Educativo Bienal já realizou outras intervenções no espaço, durante a aula de pintura e no bingo, e pretende realizar mais ações no local até o final do ano. Esse grupo do Centro de Referência ao Idoso de Guarulhos também visita a 31ª bienal, exposição que fica no Pavilhão da Bienal até o início de dezembro, e recebe uma visita orientada com Felipe Tenório e Pablo Tallavera pelo projeto Bienal com as Comunidades.
Texto: Vivian Lobato
Fotos: Sofia Colucci