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Ricardo Basbaum, um artista-etc
25 Jul 2012
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Pesquisadora Fernanda Curi retoma os conceitos de artista-etc., o Olho, NBP e outros projetos do participante da 30ª Bienal, Ricardo Basbaum

A definição de "artista-etc." de Ricardo Basbaum – artista participante da 30ª Bienal – é um ponto de partida interessante para entender o seu trabalho e o seu papel como artista:

Hoje, a maioria dos artistas (digo, aqueles interessantes–) poderia ser considerada como 'artistas-multimídia', embora, por 'razões de discurso', estes sejam referidos somente como 'artistas' pela mídia e literatura especializadas. - Ricardo Basbaum

"Quando um artista é artista em tempo integral, nós o chamaremos de 'artista-artista'; quando o artista questiona a natureza e a função de seu papel como artista, escreveremos 'artista-etc.' (de modo que poderemos imaginar diversas categorias: artista-curador, artista-escritor, artista-ativista, artista-produtor, artista-agenciador, artista-teórico, artista-terapeuta, artista-professor, artista-químico etc.); [...] Vejo o 'artista-etc.' como um desenvolvimento e extensão do 'artista-multimídia' que emergiu em meados dos anos 1970, combinando o 'artista-intermídia' fluxus com o 'artista-conceitual' – hoje, a maioria dos artistas (digo, aqueles interessantes–) poderia ser considerada como 'artistas-multimídia', embora, por 'razões de discurso', estes sejam referidos somente como 'artistas' pela mídia e literatura especializadas. 'Artista' é um termo cujo sentido se sobre-compõe em múltiplas camadas (o mesmo se passa com 'arte' e demais palavras relacionadas, tais como 'pintura', 'desenho', 'objeto'), isto é, ainda que seja escrito sempre da mesma maneira, possui diversos significados ao mesmo tempo. Sua multiplicidade, entretanto, é invariavelmente reduzida apenas a um sentido dominante e único (com a óbvia colaboração de uma maioria de leitores conformados e conformistas). Logo, é sempre necessário operar distinções de vocabulário. O 'artista-etc.' traz ainda para o primeiro plano conexões entre arte&vida (o 'an-artista' de Kaprow) e arte&comunidades, abrindo caminho para a rica e curiosa mistura entre singularidade e acaso, diferenças culturais e sociais, e o pensamento. [...] Amo os artistas-etc. Talvez porque me considere um deles, e não é correto odiar a mim mesmo". - Ricardo Basbaum, I love etc-artists. Texto originalmente publicado em inglês, parte do projeto The Next Documenta Should Be Curated by an Artist, traduzido para o português em Políticas institucionais, práticas curatoriais, organizado por Rodrigo Moura (Belo Horizonte, Museu de Arte da Pampulha, 2005). Dossiê do artista.

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Capa do projeto enviado para seleção da 19ª Bienal (1987). Dossiê do artista.

Em meados da década de 1980, Ricardo Basbaum espalhou pelo campus da Unicamp uma marca com a imagem de um olho, reduzido aos traços mais simples. O Olho de Basbaum era aplicado em diversos objetos e também era vendido como adesivo para que as pessoas pudessem colá-lo onde quisessem.

O artista Chico Chaves apropriou-se do Olho e colou-o na estátua da Justiça em Brasília. Basbaum comenta o episódio no jornal A Gazeta, de 31 de janeiro de 1993: "Ele foi preso, saiu nos jornais, criou um acontecimento na imprensa. Eu fiquei muito contente. Acho que a marca Olho serve para isso. O que eu faço é dar indicações. O fato de ela estar disponível, à venda como um adesivo, indica que as pessoas podem usá-la para suas próprias estratégias".

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Basbaum com a camiseta do Olho no jornal O Globo (23 de maio de 1990)

Em 1989, Basbaum sentiu a necessidade de criar outra marca que não fosse visual, mas verbal. Da marca visual do Olho partiu então para a sigla: NBP de Novas Bases para a Personalidade. "O NBP lida com a ideia do subliminar. A ideia é injetar na memória do espectador para que ele consuma o trabalho, não comprando exatamente, mas olhando e se relacionando com o objeto. Aí ele sai da galeria carregando o trabalho na mente. Esta seria a ideia da memória artificial. Como se um chip de arte fosse injetado na memória do espectador", diz Basbaum em A Gazeta de 31 de janeiro de 1993.

NBP é a base conceitual a partir da qual Basbaum desenvolve o seu trabalho nas últimas décadas. A sigla foi associada à uma forma, que, assim como o Olho, foi desenhada para ser facilmente memorizada:


Imagem extraída do site do projeto

Ao longo do tempo, a forma específica do NBP foi construída através de diferentes técnicas e materiais, sempre desenvolvidos a partir das "ideias-vetores" principais do projeto: imaterialidade do corpo, materialidade do pensamento e logos instantâneo.


Imagem de convite da exposição NBP: New Bases for Personality. Dossiê do artista

Basbaum participou da 25ª Bienal (2002), com a obra Transatravessamento, uma instalação NBP definida assim pelo curador do núcleo brasileiro da mostra, Agnaldo Farias: "[...] um conjunto longitudinal de ambientes confeccionados com paredes aramadas e separados uns dos outros por pequenas sextavadas, que o visitante deverá transpor para aceder a cada um deles. Basbaum atualiza a lição de Lygia Clark e Helio Oiticica, que entendiam o espectador como um ser ativo, no limite, um coautor, alguém capaz de colocar a obra em movimento. Sua diferença básica reside na ênfase que dá ao espectador como aquele que circula por entre as coisas, atirando-as na parede, detendo-se para ler textos nela afixados, curvando-se para esgueirar-se por entradas estreitas, deitando-se para simplesmente deixarem-se estar" (Agnaldo Farias, catálogo Brasil da 25ª Bienal, p. 37).



Transatravessamento, de Ricardo Basbaum na 25ª Bienal (2002)
Qualquer trabalho artístico está ligado à transformação. Talvez porque eu venha dos anos oitenta, não assino abaixo de nenhuma utopia, não acredito que vamos chegar a um estado perfeito... sempre temos que lidar com essa mistura, um tipo de negociação. - Ricardo Basbaum

Você gostaria de participar de uma experiência artística? é o work-in-progress de Basbaum criado a partir do NBP, no qual um objeto de metal viaja pelo mundo desde 1994. Cada pessoa que recebe o objeto decide o que fazer com ele e documenta o processo como parte da experiência artística. Com a participação na Documenta 12 (2007), o projeto ganhou uma mudança significativa em sua dimensão: do único objeto que circulava nos primeiros anos do projeto foram produzidos vinte iguais, que continuam viajando pelo mundo desde então: dez pelo Brasil e América Latina, nove na Europa e um na África. Nesse tempo (quase vinte anos!) já foram mais de 140 experiências, das mais diversas: já teve quem destruiu o objeto original e mandou uma réplica de volta ao artista, mudou a sua forma, usou-o como um tanque para lavar roupas, doou-o a um museu, deixou-o numa cachoeira? levantando várias questões da arte contemporânea, tais como autenticidade, apropriação, colecionismo, meio ambiente? Todas as experiências realizadas até agora podem ser vistas no site do projeto.

A forma e a sigla NBP tem sido trabalhadas pelo artista em vários outros contextos, dando origem a diagramas, textos, intervenções, instalações... Em re-projecting (Utrecht), projeto realizado em maio de 2008 com o centro de arte Casco, em Utrecht, Holanda, Basbaum aplicou a forma NBP no mapa da cidade, determinando nove locações para projetos colaborativos.


Imagem extraída do site da Casco

Em cada ponto foram realizadas diferentes atividades com artistas e grupos de artistas convidados, pessoas das comunidades locais, pensadores, filósofos, curadores... As experiências foram as mais diversas: das coreografias, jogos e exercícios Me & You organizadas pelo artista em um playground no subúrbio da cidade, ao debate sobre "esfera pública" com o escritor e curador Simon Sheikh num ambiente mais que privado (a sala da casa de uma moradora da cidade), terminando, como não, com um belo samba e churrasco num parque esportivo na (rua) Rio de Janeirodreef.


Imagens extraídas da dissertação de mestrado em museologia An experiment to build a free model, de Fernanda Curi, Reinwardt Academy Amsterdam, 2008, e do site da Casco.

"Qualquer trabalho artístico almeja algum tipo de transformação. Qualquer trabalho artístico esta ligado à transformação. Talvez porque eu venha dos anos oitenta, eu não assino abaixo de nenhuma utopia, eu não acredito que vamos chegar a um estado perfeito... sempre temos que lidar com essa mistura, um tipo de negociação, algum tipo de situação paradóxica, nunca teremos isso completamente resolvido[... ] No final da década de 1950, Helio Oiticica e Lygia Clark podiam acreditar num tipo de transformação universal. Mas aqui eu pergunto: que transformação, como, quando? Meu trabalho tem várias ambigüidades... é muito mais um tipo de provocação. A transformação vai ser o fruto de seu próprio desejo e esforço [...] Eu acho que o meu trabalho investe no envolvimento, eu tenho que envolver o outro em todos os meus projetos: mas esse envolvimento só acontece se você quiser. Você tem que se engajar num tipo de produção, ou então nada acontece". - Ricardo Basbaum (tradução para o Português da entrevista à dissertação de mestrado supracitada)

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Fernanda Curi é Arquiteta e Urbanista, Mestre em Museologia. Atualmente desenvolve a pesquisa "Parque Ibirapuera - 60 anos (1954-2014) Símbolo urbano, metáfora da urbanidade" no programa de Pós Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU USP e trabalha como Pesquisadora no Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.