Eleito o melhor parque da América do Sul em 2013, o 8º melhor do mundo em 20141, além de um dos lugares onde mais “check-in” foram feitos nas mídias sociais, o Parque Ibirapuera completa 60 anos cheio de glórias no mundo virtual. Desde que foi construído para as comemorações do IV Centenário de São Paulo em 1954, o Ibirapuera tornou-se – ainda que de modo bastante paradoxal – o ‘parque modelo’ da cidade que naquele momento conquistava o seu lugar como metrópole industrial, moderna e internacional.
A partir daquele momento houve a aceitação definitiva da arquitetura moderna no país. As pessoas se referiam a ela como ‘Estilo Bienal’. Depois da criação do Ibirapuera, nenhuma outra obra pública ignorou o moderno na arquitetura - Carlos Lemos
O complexo do Ibirapuera foi um marco na arquitetura moderna. Em entrevista o arquiteto paulista colaborador da equipe2 de Niemeyer, Carlos Lemos, afirma que “a partir daquele momento houve a aceitação definitiva da arquitetura moderna no país. As pessoas se referiam a ela como ‘Estilo Bienal’. Depois da criação do Ibirapuera, nenhuma outra obra pública ignorou o moderno na arquitetura”.3
De fato, a história do parque mais querido pelos paulistanos se entrelaça com a da Bienal. Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo, havia acabado de realizar a 1ª Bienal em 1951 quando recebeu o convite do governador Lucas Nogueira Garcez para presidir a Comissão do IV Centenário, incumbida do planejamento de toda a programação dos festejos dos 400 anos da cidade.
Foi Ciccillo o grande responsável por escolher a equipe de arquitetos e o local onde seriam concentrados os eventos comemorativos e, portanto, por efetivar a construção do Parque Ibirapuera. Foi, sobretudo, uma figura central por promover os ajustes políticos necessários à sua consecução.
Sabe-se que 80% das verbas do IV Centenário foram usadas para a construção do Parque Ibirapuera (LOFEGO, 2004. p.82). Inegavelmente, fora bastante acertada a visão de Ciccillo em não desperdiçar aquele montante de 600 milhões de cruzeiros em “uma sequência de coisas efêmeras” e, ao contrário, “erigir um marco perene da grandeza de São Paulo que ao mesmo tempo fosse digno do seu presente e do seu futuro”.4 Este talvez fosse o lado humanista do projeto, embora certamente acompanhado de outros anseios.
Os festejos do IV Centenário foram iniciados em 12 dezembro de 1953 com a 2ª Bienal, que pré-inaugurou o Parque Ibirapuera com apenas dois de seus pavilhões concluídos e alavancou grandiosamente o ano comemorativo, mesmo com toda a lama que fez com que caminhões carregados de Picassos – e com Guernica – atolassem5.
Em 25 de janeiro de 1954 comemoraram-se os 400 anos de São Paulo com a que foi, possivelmente, a maior celebração já organizada na cidade, reunindo em suas ruas e monumentos a grande maioria dos integrantes da metrópole, que guardou na memória a célebre “chuva de prata” formada pelos triângulos de alumínio lançados dos céus.
Mas foi apenas em 21 de agosto que ocorreu a abertura solene do Parque Ibirapuera, com todas as pompas oficiais, inaugurado com a “Exposição do IV Centenário”. Um vídeo encontrado na internet pertencente ao Arquivo Nacional traz cenas do Ibirapuera naquele momento, entre as quais, algumas jamais presenciadas pelas novas gerações, como barquinhos no lago do parque e o trenzinho que circulava por ali.
O conjunto arquitetônico projetado por Niemeyer era composto de um edifício esférico (Palácio das Exposições), quatro retangulares (Palácios das Nações, Estados, Indústrias e Agricultura) e um trapezoidal (Auditório), além do restaurante, que não chegou a ser construído. Todos eles, com exceção do Palácio da Agricultura, seriam conectados pela grande Marquise, elemento definidor do projeto.
Para a entrada principal do parque, onde hoje se localizam os portões 1 e 2, em frente ao Obelisco, estava previsto um acesso monumental, que incluía uma grande “plataforma elevada, permitindo aos visitantes visão completa de todo o conjunto”. (REVISTA HABITAT nº16, 1954).
A plataforma de acesso – Imagem extraída da revista Habitat nº16, 1954
Este acesso levaria aos primeiros edifícios, o Auditório e o Palácio das Exposições (a atual Oca) que, segundo os arquitetos, formariam uma unidade, interligados por uma continuação da marquise. O Auditório, como é sabido, não foi construído na ocasião, deixando o conjunto “capenga” e a “arrojada marquise” como “algo inacabado”, saindo “de um ponto qualquer, desgarrado”. (REVISTA MÓDULO nº1, 1955, p.18). Embora a finalização do conjunto fosse sempre reclamada, o Auditório só foi construído 50 anos depois, pelo mesmo arquiteto, que inverteu a forma do projeto original, virando-o de cabeça para baixo.
Além do auditório, do restaurante e da plataforma elevada de acesso, também não foi executado o projeto paisagístico de Burle Marx para o Ibirapuera, ficando este a cargo de um funcionário da prefeitura, Otávio Augusto Teixeira Mendes.
Uma imagem aérea exibe os pavilhões do parque em 1954 conectados pela grande marquise. Nota-se o vazio deixado pelo auditório, ocupado por um parque de diversões infantil, e a existência de vários pavilhões provisórios no parque, como o elegante Pavilhão do Rio Grande do Sul e o enorme Pavilhão das Indústrias Estrangeiras, vistos no lado direito da imagem.
Sob a grande marquise foram instalados o Museu de Cera, o Museu do Presépio e inúmeras atividades efêmeras como feiras, concertos e exposições. Por ali permaneceram duas edificações que já existiam desde a inauguração do parque e foram sendo readaptadas no decorrer dos anos: o restaurante e lanchonete Green e o Museu de Arte Moderna de São Paulo.
O Mapa geral do Parque Ibirapuera durante o IV Centenário revela a vasta quantidade de pavilhões e serviços dispersos pelo recinto naquele momento. Além dos pavilhões permanentes e provisórios, ocupados por exposições industriais, comerciais e culturais que chegaram a reunir mais de 27 nações e 11 estados brasileiros, o parque contava com 15 bares e 8 restaurantes, entre os quais 4 churrascarias. As demais atrações, além do parque de diversões infantil, incluíam um circo e até um rodeio.
A peculiaridade do Parque Ibirapuera é o fato de que é uma área verde, mas que já nasce como ambiente construído, sendo o conjunto arquitetônico de Niemeyer e equipe o que o define, e o faz único. No entanto, este conjunto é indissociável ao ambiente no qual se insere e com o qual constitui uma relação e unidade indiscutíveis. A relação cultura x ambiente sempre foi um grande problema, desde que o parque foi construído com o propósito de aglutiná-los neste espaço.
Esta ambivalência, por vezes menos compreendida como “complementar” e mais como uma eterna disputa entre adversários, conduz a um parque fragmentado e essencialmente dividido entre “área cultural” e “área natural”. Poucos são os usuários dos museus e visitantes das exposições que conhecem, por exemplo, o Viveiro Manequinho Lopes ou a Antiga Serraria, e vice-versa.
Ainda que muito tenha sido dito a respeito da ausência do auditório no conjunto do Ibirapuera, ou das edificações sob a marquise, pouco se debateu sobre a finalidade funcional de seus pavilhões, e menos ainda, da considerável diminuição da área do entorno do parque. E, sobretudo, sobre a ausência de um planejamento mais amplo, que poderia haver dotado o Ibirapuera de uma capacidade de centralização cultural e ambiental, em escala regional, nacional, internacional.
Com novos tempos que sinalizam um processo de reconquista do espaço público, o olhar para este símbolo de São Paulo pode ser iluminador.
Notas
1 - Eleito por viajantes, o Parque Ibirapuera foi considerado o melhor da América do Sul no ranking de melhores atrações do mundo feito pela Trip Advisor (G1 globo.com, 01/07/2013). Na Traveler's Choice Awards, no ano seguinte, foi eleito o 8º melhor parque do mundo e o melhor do Brasil (Folha de São Paulo, 17/06/2014).
2 - Oscar Niemeyer, Zenon Lotufo, Eduardo Kneese de Mello e Hélio Cavalcanti, com colaboração de Gauss Estelita e Carlos Lemos.
3 - ver Ibirapuera consolidou o moderno na arquitetura. Luis Caversan. Folha de São Paulo, 23/09/2003
4 - em Carta do Sr. Francisco Matarazzo Sobrinho ao Prefeito Jânio Quadros. Última Hora, 05/03/1954
5 - No livro As Bienais de São Paulo/1951 a 1987, Leonor Amarante conta episódios divertidos dessa 2ª Bienal, que ficou conhecida como a "Bienal da Guernica". Um deles é sobre os montadores da Bienal que retiraram a obra Guernica de Picasso de um caminhão atolado na lama do Parque Ibirapuera, na época em construção.